#01 POR QUE ESCREVER?
Uma reflexão sobre o poder da escrita e das palavras, sobretudo em um mundo inundado por novidades tecnológicas, redes sociais e inteligências artificiais
O mar bate violentamente contra as pedras da costa, alertando os barcos dos perigos de sua proximidade da terra. Emparedados entre a força das ondas e as seguranças da terra, olhamos ao longe e nos perguntamos qual seria o começo ideal. Para iniciar nossa primeira visita ao FAROL, começo com uma pergunta perfeita para uma newsletter sobre ideias, palavras e arte: POR QUE ESCREVER?
A questão pode parecer óbvia e redundante, sobretudo para quem trabalha com literatura ― ensinando, traduzindo e escrevendo. Nesse texto, gostaria de convidar você a pensarmos sobre a importância da escrita hoje, mas sobretudo a refletir sobre as razões que nos fazem ainda investir nela em meio à tantas plataformas digitais.
Em primeiro lugar, acho que devemos abandonar justamente a falsa dicotomia que nos faz pensar que a escrita está distante das muitas plataformas digitais e atuais de conexão humana e busca informacional. Ao contrário, a linguagem permeia essas instâncias, conectando todos esses espaços e servindo de liga para suas estruturas e de energia para seus mecanismos de relevância e funcionamento.
Assim, se pensamos nossas interações tecnológicas e nossas rotinas virtuais enquanto relações mediadas pela linguagem, não se trata de pensar a tecnologia de um lado e o texto e a escrita, do outro. Em meio às nossas realidades virtuais, com suas plataformas de contato e visibilidade, mais e mais nos tornamos seres de escrita, especialmente diante de crescentes e úteis softwares de comunicação.
Assim, não é que a tecnologia ou a internet estejam nos afastando da escrita. Ao contrário, essa atividade humana milenar e essencial é aquilo que justamente torna possível qualquer espécie de construção, comunicação e troca. Por isso vermos a linguagem como algo fundamental e imorredouro: sobretudo para conseguirmos sobreviver e atuar em um mundo hiper conectado e permeado por diferentes discursos, histórias e palavras, quando não ideologias e visões existenciais.
E tudo isso, sim, é escrita, atuando em nossos cérebros, perpassando nossas ideias, estruturando nossas existências, nos permitindo ser e estar no mundo, ver e entender essa e outras vivências. Isso dito, vou me concentrar na resposta mais ampla, a resposta que serve para mim, para você e para todos os que vivem nessa época insana e caótica repleta de tecnologias eletrônicas, redes sociais e inteligências artificiais. Sim, a grande questão é por que continuar escrevendo em um tempo tão repleto de ruído e palavras, signos e estática, códigos binários e algoritmos?
Há três motivos que considero essenciais e um quarto que poderia servir de faixa bônus para essa primeira parada no FAROL. Em primeiro lugar, penso que escrever é essencial para encontrarmos nossas próprias respostas. Em um mundo repleto de ruídos e dizeres alheios, a escrita nos permite vasculhar nossos cômodos internos e encontrar as razões que nos fazem ser quem somos e viver como vivemos, perseguindo nossas missões mais pessoais. No tempo da escrita, vamos ao encontro de quem somos e, mais importante, do que nos tornaremos no futuro.
Em segundo lugar, escrevemos para desenvolver nossa capacidade de comunicação com outras pessoas. Sim, porque na escrita estamos sempre perseguindo a palavra, a letra e a frase certas, para que possamos dizer com precisão o que desejamos para quem quer que esteja ouvindo. Em tempos de não comunicação, é na escrita que reforçamos nossa determinação de produzir diálogo e comunhão. Em outros termos, é no escrever que abraçamos uma postura ativa de construção de pontes e vínculos, mesmo que essa seja uma tarefa cada vez mais desafiadora.
Em terceiro lugar, devemos continuar escrevendo porque essa prática nos ajuda a desacelerar. Bem, não sei vocês, mas toda a minha vida está centrada em encontrar formas de pisar no freio, esticar as pernas, respirar fundo e aproveitar essa jornada que chamamos de vida, seja esse trajeto o que quer que seja e nos leve ele aonde tivermos de chegar. Além disso, em um mundo em que compramos tudo pronto, no reino da linguagem ainda podemos fabricar nossas próprias lentes de compreensão e construção do mundo. E nessa aventura, sim, escrever pode nos auxiliar a entender o mapa ou mesmo a criar nossas próprias cartografias de existência.
No meu caso, conseguir parar e silenciar tudo para escrever ― algo que tento fazer nas primeiras horas do dia ― é sempre uma batalha. Agora, quando consigo fazer isso e a magia da escrita acontece, seja para a escrita de ficção ou para um texto como esse, o tempo congela, ou melhor, some, a respiração volta ao normal e a vida parece entrar no ritmo que lhe é mais natural: o do batimento cardíaco. Desafiando o relógio, a escrita nos faz expandir o tempo e desafiar nossa inevitável mortalidade.
Por fim, como prometido, aqui vai a faixa bônus: penso que devemos escrever porque escrever é, acima de tudo, divertido. Sim, aqui você pode, com todas as pedras na mão que lhe são de direito, me contrariar, afinal como pode ser divertido pensar em histórias ou ideias e encontrar palavras para expressá-las quando temos tão pouco tempo e tanta coisa para fazer... sempre e ainda mais e mais?
Para responder essa pergunta de forma positiva e proativa, sobretudo para os que acham que a escrita não é a atividade mais divertida do mundo, eis o que tenho a dizer: Escrevemos para encontrar sentidos possíveis, para descobrir mundos internos e para justificar e compreender nossas decisões. Escrevemos para defender nossa voz, mesmo que todos nos digam para ficar em silêncio. Escrevemos para reaprender foco e leveza. E escrevemos para encontrar pessoas, viver vidas diferentes e para sentir imensidões. E como a escrita está diretamente associada à leitura, convido você a um exercício lúdico: volte ao início do texto e em todas as vezes que a palavra “escrever” ou “escrita” aparecer, em negrito, substitua-a pela palavra “ler” ou “leitura”.
Sim, escrever é tão importante quanto ler. E como você está prestes a descobrir, ambas podem ser atividades lúdicas e divertidas, como em um jogo que nos faz esquecer o tempo, estar com os amigos e mergulhar no fluxo da nossa existência.
Nos vemos daqui a pouco, na distância de sua próxima página.
Enéias Tavares
SANTA MARIA, 14/01/25
POST SCRIPTUM
Das novidades deste mês, convido aos que quiserem viajar a Berlim a lerem a coluna de Na Estrada com Serpentes & Serafins, no Blog da DarkSide Books. Sobre meu novo livro e seu processo de escrita, bati um papo sobre ele com a querida Joice do Estante Diagonal. E tem um Spin Off do romance nos Contos de Natal da Casa da Caveira.
Adorei o texto 👏🏻
Ler o que você escreve é sempre um momento de reflexão e de paz. A riqueza das palavras e das construções são muito profundas, fortes e ao mesmo tempo, imensas em uma delicadeza incrível. Gosto muito! Parabéns pela iniciativa! Acompanharei de pertinho. Abraços.